Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro

Luís Ramon Alvares
Oficial Substituto [1]

A aquisição de imóvel rural por estrangeiro, disciplinada pela Lei nº. 5.709/71 (DOU 11/10/1971), com regulamento no Decreto nº. 74.965/74 (DOU 27/11/74), requer alguns cuidados especiais de tabeliães e registradores. Vejamos.

É da essência do ato a escritura pública [2], que constará obrigatoriamente a menção do documento de identidade do adquirente, prova da residência no território nacional e, quando for o caso, autorização do órgão competente (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária- INCRA) ou assentimento prévio da Secretaria- Geral do Conselho de Segurança Nacional[3] (atualmente Conselho de Defesa Nacional- artigo 91 da Constituição Federal).

O estrangeiro será identificado pela nacionalidade, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – C.P.F. da Receita Federal do Brasil, estado civil, residência, domicílio e cadastro no Registro Nacional de Estrangeiros – R.N.E. (se não possuir R.N.E., recomenda-se que conste da escritura que o estrangeiro não é obrigado a registrar-se no Ministério da Justiça porque não foi admitido na condição de permanente, temporário ou asilado, conforme artigos 30 e 33 do Estatuto do Estrangeiro -Lei 6.815/80). Se o estrangeiro for casado, deve constar o regime de bens do casamento e a qualificação completa de seu cônjuge. Se casado pela lei brasileira, informar se o casamento se realizou antes ou depois da vigência da Lei 6.515/77, bem como o número do registro do pacto antenupcial, se houver. Se casado na lei estrangeira, deve apresentar certidão de casamento do país de origem, devidamente legalizada pelo cônsul brasileiro, traduzida para o português e registrada no Cartório de Títulos e Documentos; deve apresentar prova do regime de bens adotado no casamento, servindo para tal finalidade, se não constar da referida certidão de casamento, declaração do Consulado do país onde foi lavrado o assento ou então declaração consular sobre a inexistência de previsão legal, no país de origem, acerca do regime matrimonial de bens, ou ainda declaração dos adquirentes, com firmas reconhecidas, na hipótese de o Consulado não emitir tais declarações (interpretação analógica do item 139 do Capítulo XVII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo).

Para a prova de residência do estrangeiro, no território nacional, basta declaração nesse sentido, sob as penas da lei, haja vista que a mesma (declaração) presume-se verdadeira, a teor do disposto no caput do artigo 1º da Lei 7.115/83.

Depende de autorização do Conselho de Defesa Nacional a aquisição por estrangeiro (pessoa física) de imóvel rural situado em área considerada indispensável à segurança nacional [4] (v.g. aquisição de imóvel situado na Faixa de Fronteira – faixa de 150 km de largura, paralela à linha divisória terrestre nacional – artigo 1º da Lei 6.634/79). A autorização do INCRA é necessária para aquisição por estrangeiro de imóvel rural entre 3 e 50 Módulos de Exploração Indefinida- MEI [5]; também é exigida autorização do INCRA para aquisição por pessoa física estrangeira de mais de um imóvel, ainda que a área não seja superior a 3 módulos, e para aquisição de imóvel rural com área superior a 20 módulos; nesta última hipótese, mediante aprovação do projeto de exploração correspondente. [6] O prazo da validade da autorização do INCRA é de 30 dias, dentro do qual deverá ser lavrada a escritura pública, seguindo-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis no prazo de 15 dias. [7]

É proibida a aquisição de imóvel rural por estrangeiro: I- se a soma das áreas dos imóveis rurais pertencentes a estrangeiros ultrapassar ¼ (um quarto) ou 25% da superfície do Município onde situados [8]; II- se a soma das áreas dos imóveis rurais pertencentes a estrangeiros da mesma nacionalidade ultrapassar 10% da superfície do Município onde situados (40% do percentual permitido a estrangeiros em geral) [9]; e III- quando a aquisição de imóvel rural por pessoa física exceder a 50 MEI’s, em área contínua ou descontínua. [10] Estão excluídas das proibições previstas nos itens I e II as aquisições de áreas rurais inferiores a 3 módulos; as áreas que tiverem sido objeto de compra e venda, de promessa de compra e venda, de cessão, constante de escritura pública ou de documento particular devidamente protocolizado na circunscrição imobiliária competente, e cadastrada no INCRA em nome do promitente comprador, antes de 10 de março de 1969; e quando o adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens. [11] Note-se que se o estrangeiro é casado com brasileira ou tem filho brasileiro, o seu imóvel rural não será computado para determinação dos percentuais limites de 25% e 10% da área do município, mas nem por isso estará dispensado de exibir a autorização do INCRA para a aquisição, quando necessária.

Por meio de decreto, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional, poderá aumentar os limites estabelecidos para aquisição de imóvel rural por estrangeiro. [12]

Nos loteamento rurais, efetuados por empresas particulares de colonização, a aquisição e ocupação de terras de pelo menos 30% da área total devem ser feitas obrigatoriamente por brasileiros. [13]

A pessoa jurídica estrangeira, autorizada a funcionar no Brasil, só poderá adquirir imóveis rurais quando estes se destinarem à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatuários. Essa aquisição dependerá da aprovação dos projetos pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal competente. São competentes para apreciar os projetos: a) o INCRA, quanto aos projetos de colonização; b) a SUDAM e a SUDENE, nos projetos agrícolas e pecuários situados nas respectivas áreas; c) O Ministério da Indústria e do Comércio, nos projetos industriais e turísticos, por intermédio do Conselho do Desenvolvimento Industrial e da Empresa Brasileira de Turismo, respectivamente. [14] O artigo 11 do Decreto 74.965/74 prevê que a pessoa jurídica brasileira da qual participem pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior sujeita-se às mesmas restrições impostas às pessoas jurídicas estrangeiras. Contudo, cumpre observar que, com o advento da Emenda Constitucional nº. 6 (que revogou o artigo 171 da Constituição Federal), a empresa brasileira de capital estrangeiro equiparou-se à nacional. Nesse sentido, confira-se acórdão do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo no julgamento da Apelação Cível nº. 39.838-0/4- DOE 17/02/98. Portanto, com a reforma constitucional, agora, se a empresa tem sede no território nacional não mais enfrentará essas limitações.

A escritura pública será levada ao Cartório Imobiliário competente e registrada no Livro 2 (Matrículas) e no Livro de Registro de Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros. Neste livro, constará a menção do documento de identidade das partes contratantes ou dos respectivos atos de constituição, se pessoas jurídicas; memorial descritivo do imóvel com área, características, limites e confrontações; a autorização do órgão competente, quando for o caso; e as seguintes circunstâncias, se for o caso: a-) que a área do imóvel é inferior a 3 módulos; b-) que o imóvel foi objeto de compra e venda, de promessa de compra e venda, de cessão, constante de escritura pública ou de documento particular devidamente protocolizado na circunscrição imobiliária competente, e cadastrada no INCRA em nome do promitente comprador, antes de 10 de março de 1969; c-) que o adquirente tem filho brasileiro ou é casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens. [15]

É relevante observar que, nos termos do r. acórdão prolatado pelo Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo no julgamento da Apelação Cível nº. 000001-6/7: “A condição de estrangeiro de um dos cônjuges impõe a restrição ao outro, conforme já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça no Mandado de Segurança número 5831/SP, julgado em 27/02/1997, relator o eminente Ministro José Delgado, cuja ementa diz: “MANDADO DE SEGURANÇA – AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL POR CÔNJUGE BRASILEIRO CASADO COM ESTRANGEIRA. O brasileiro, ao convolar núpcias com estrangeiro, sujeita-se à restrição da Lei nº 5.709/71, se o regime de bens determinar a comunicação da propriedade.” [16]

A aquisição de imóvel rural por estrangeiro deve ser comunicada pelo Oficial do Registro de Imóveis, trimestralmente, à Corregedoria Geral de Justiça e ao INCRA, bem como ao Conselho de Defesa Nacional quando se tratar de imóvel situado em área indispensável à segurança nacional [17]. Para efeito das referidas comunicações, o oficial registrador exigirá do adquirente, se não constar da escritura, declaração de que o mesmo não é proprietário de outros imóveis rurais no território nacional. Se o estrangeiro possuir outros imóveis rurais, deve constar da escritura ou de declaração em apartado a correta identificação dos mesmos, especialmente pela indicação dos municípios em que se situam, MEI desses municípios, denominações, áreas em MEI e respectivos cadastros no INCRA. Também deve constar da escritura ou da declaração informação a respeito da existência ou não de filhos brasileiros.

No Estado de São Paulo, por determinação da E. Corregedoria Geral de Justiça, através do Comunicado nº. 1075/07, os Cartórios de Registros de Imóveis são obrigados a realizar, no Portal Extrajudicial do Tribunal de Justiça (http://www.extrajudicial.tj.sp.gov.br), o registro dos estrangeiros proprietários de imóveis rurais (cadastro único para todas as serventias), bem como o registro dos imóveis rurais adquiridos por estrangeiros.

Ressalvada a necessidade de autorização do Conselho de Defesa Nacional, fica excluída das restrições já mencionadas, a aquisição por “sucessão legítima” (letra expressa da lei no artigo 1º, §2º, da Lei 5.709/71). Assim, sem embargo de entendimento em contrário, com apoio no artigo 1º, §2º do Decreto 74.965/74, que excepciona todas as hipóteses de sucessão “causa mortis”, não se pode afastar a sucessão por testamento, onde, pela menos em tese, o testador poderia fraudar a aplicação da lei.

É nula de pleno direito, a aquisição de imóvel rural por estrangeiro com violação das prescrições legais aqui mencionadas [18].

[1]O autor é Substituto do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP.

[2]Art. 8º da Lei 5.709/71.

[3]Art. 9º da Lei 5.709/71.

[4]Art. 2º do Decreto 74.965/74.

[5]Compete ao INCRA a fixação do MEI de cada município (art. 4º do Decreto 74.965/74). No Estado de São Paulo, a Corregedoria Geral da Justiça, através do Comunicado 210/2001, conforme Instrução Especial INCRA/Nº 50, de 26 de agosto de 1997, aprovada pela Portaria MEPF/Nº 36, da mesma data, informou os Módulos de Exploração Indefinida- MEI’s dos Municípios, bem como a quantificação das áreas destinadas a estrangeiros (25% do total dos Municípios).

[6]Art. 7º, §§ 2º, 3º e 4º do Decreto 74.965/74.

[7]Art. 10, parágrafo único do Decreto 74.965/74 .

[8]Art. 5º, caput do Decreto 74.965/74.

[9]Art. 5º, §1º do Decreto 74.965/74.

[10]Art. 7º, caput do Decreto 74.965/74.

[11]Art. 5º, §2º, incisos I, II e III do Decreto 74.965/74.

[12]Art. 3º, §3º da Lei 5.709/71 c/c art. 5º, §3º do Decreto 74.965/74.

[13]Art. 8º do Decreto 74.965/74.

[14]Art. 11, §2º, do Decreto 74.965/74.

[15]Art. 15 do Decreto 74.965/74.

[16]CSM- Ap. Civ. 000001-6/7 Data: 1/8/2003 Localidade: ATIBAIA. Relator: LUIZ TÂMBARA (DOE -01/08/03).

[17]Art. 11 da Lei 5.709/71 c/c item 92 do cap. XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo – Provimento 58/89 , a saber:

  1. Todas as aquisições de imóveis rurais por estrangeiros deverão ser obrigatória e trimestralmente comunicadas ao INCRA e à Corregedoria Geral da Justiça.

92.1.Na hipótese de inexistência de aquisição de imóvel rural por estrangeiro, a comunicação negativa também é obrigatória e será feita trimestralmente à Corregedoria Geral da Justiça.

92.2.As comunicações serão realizadas mediante a utilização de planilhas previamente aprovadas pela Corregedoria Geral da Justiça, acompanhadas de cópia reprográfica da respectiva matrícula do imóvel então adquirido.

[18]Art. 15 da Lei 5.709/71 c/c art. 19 do Decreto 74.965/74.